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Tudo pelas beiradas

 

O título “Tudo pelas beiradas” é também a condição quando se escreve um texto para a primeira individual de um artista, privilégio e ao mesmo tempo um grande desafio.

Em textos dessa natureza se tateia cuidadosamente, pois cabe ao curador da exposição e mesmo a um crítico de arte, apontar o talento do artista.

 

O risco é grande, quando não há ainda um percurso de uma obra.

No entanto, não é este o caso de David Magila, expondo pela primeira vez em uma individual suas pinturas e desenhos, na Galeria Contempo, em São Paulo.

David Magila já tem alguns anos de carreira artística.

Magila é de São Caetano do Sul, cidade parte da Grande São Paulo e formou-se em Artes Visuais pela Universidade Estadual de São Paulo no ano de 2003. Teve outras atividades não relacionadas diretamente à Arte até o ano de 2012.

Nosso primeiro contato se deu quando de sua premiação no ‘Edital de Exposições’, do Museu de Arte de Ribeirão Preto, ocasião em que fui um dos jurados responsáveis pela seleção desse certame. Nessa ocasião tive a oportunidade de me deparar pela primeira vez com sua produção. Depois dessa premiação, foi para o artista seu momento decisivo, para que ele optasse por se dedicar exclusivamente à Arte.

 

Antes da faculdade, David Magila fez o Liceu de Artes e Ofícios onde aprendeu as práticas artísticas. Não à toa, sabe desenhar. Faz um desenho figurativo com traços firmes sobre folhas de papel e cadernos de anotação e observação.

Esses desenhos são pintados ou mantidos no grafite. Quando não estão sobre o papel aparecem como esboços nas telas, onde acabam por permanecer visíveis sob a fina camada de tinta de suas pinturas.

Na verdade, para o artista os desenhos são estruturantes em sua obra e por isso mesmo, mais fortes que a pintura; se sobressaem à ela. Os desenhos não são inventados, trata-se de desenhos de observação, conforme comentou sobre o seu processo criativo.

 

As imagens pintadas são registros fotográficos ou simplesmente esboços, para serem pintados depois. São vistas estranhas. Em algumas delas, demora-se para se compreender o que ali está pintado. Imagens captadas de lugares que foram alguma coisa e não o são mais. Não fazem sentido sua existência como espaço ou lugar.

Lugares que já tiveram alguma função e restam apenas vestígios de sua utilização e de suas funções.

As vistas se dão em perspectivas também estranhas, distorcidas e de situações inusitadas que sobraram e sequer chegam a fazer sentido.

 

É este o seu repertório pintado - vistas do acaso, cantos que não se percebe em um olhar rápido pelas cidades, detalhes de uma arquitetura inútil, sutilezas de um detalhe da paisagem como uma poça d’água ou um píer sobre a água de um lago que se confunde na paisagem. O espelhamento da água é perfeito nas pinceladas grossas do artista. Em outras telas avistamos situações como o Bar Peixada que está em praia desolada, com uma sombra que lembra aquelas vistas na pintura metafísica do italiano Giorgio de Chirico. Uma vista de uma piscina cercada que tem no fundo uma paisagem abstraída. Surgem pisos ladrilhados. Entre as telas apresentadas nesta exposição, destacaria a pintura composta de guarda-sóis coloridos. Uma imagem vibrante de cores quentes. Muita luz compõe esta pintura. Fundo que se vislumbra é o verde das árvores e o azul celeste do céu que surge coalhado com pinceladas e escorridos que representam as nuvens.

 

Por fim, uma outra pintura, o que se vê é uma fachada “sem arquitetura” que se destaca uma caixa d’água. Trata-se de uma vista da “arquitetura” pobre que predomina nas cidades brasileiras, cobertas com as famigeradas telhas de amianto. Até a marca da caixa d’água é visível a compor a pintura da desolação.

Magila pinta uma cidade real. São pinturas que não precisam ser justificadas com teoria artística ou pelo viés da história da arte ou ainda por meio de uma lógica sobre a técnica da própria pintura.

 

Basta vê-las para se perceber suas qualidades pictóricas e a subjetividade impressa nas imagens pintadas.

O trabalho de arte e a pintura de David Magila são uma busca que refletem nossa necessidade de tentarmos organizar o caos do mundo, observado, por exemplo, nas grandes cidades.

Magila nos conta que quando sai para “passear”, sempre leva uma máquina de fotografar e um caderno de anotações.

O artista observa os detalhes da arquitetura, das ruas, das construções, do caos que nos rodeia. O faz com poesia, ao levar estas imagens para suas telas.

 

Ao focar nos detalhes, nas pequenas coisas, o artista está buscando nada mais do que a ordenação do mundo. Utópico, sem dúvida. Mas é por onde se expressa, ao transformar e materializar este olhar em pinturas, desenhos e gravuras.

Trabalhos de rara beleza quando se compara com o restante da produção de arte contemporânea atual.

Cito aqui o jornalista e artista Carlos Uchôa, em um texto seu de 1994, sobre a pintura do artista Luiz Sôlha. “Tomei um fôlego ao entrar no estúdio” quando me deparei com os trabalhos de David Magila. Não se fica inerte ou se sai ileso diante de suas telas e desenhos.

 

Uchôa, neste mesmo texto, se perguntava qual o papel da pintura à época? Escreveu concluindo: “exíguo”.

Hoje eu não diria o mesmo. Ao contrário, a pintura tem se mostrado potente pelas mãos e pinceladas de muitos jovens artistas, como David Magila.

Tem sido uma prática das mais populares e ainda desejada pelos curadores e instituições, poder ter em mãos, trabalhos dessa qualidade.

Sua pintura, nas palavras do próprio Magila, nada mais é do que um simples ‘desenho colorido’. Mas que desenho!


 

Ricardo Resende

Museu Bispo do Rosário Arte Contemporânea

Rio de Janeiro, março, 2015

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